Eduardo Arrais Rocha, Marcelo de Paula M. Martins, Francisca Tatiana M. Pereira
A miocardiopatia hipertrófica (MCH) é uma doença genética autossômica dominante, atingindo 0,2% da população, sendo uma importante causa de morte súbita cardíaca, principalmente em jovens e atletas, com pico de incidência entre 25-40 anos. Ela apresenta mortalidade anual de 0,8%, podendo ocorrer também por insuficiência cardíaca ou tromboembolismo.
Todos familiares de primeiro grau (pais, filhos, irmãos), principalmente após os 12 anos, devem ser investigados a cada 12-18 meses, podendo ser a cada 5 anosnos maiores que 21 anos. O perfil genético pode ser analisado, sendo descritas mais de 1400 mutações, ocorrendo em 8 genes. A condutadiante de um paciente comalteração genotípica, sem manifestação fenotípica, ainda encontra-se em debate,assim como suas implicações sociais, econômicas e psicológicas, considerando ainda os diferentes graus de penetrância desses genes.
A análise genética é usada como estratificadora de risco de forma unanimemente aceita apenas nas síndromes do QT longo e em algumas formas genéticas de miocardiopatias dilatadas.
Apesar disto, nos Estados Unidos, apenas 40% dos parentes das vítimas de morte súbita são rotineiramente investigados com métodos complementares e/ou análise genética.
Os desfibriladores cardíacos internos (CDI) representam a principal opção terapêutica na prevenção de morte súbita nestes pacientes, com uma frequência anual de choques por TV/FV de 1-2%. Na prevenção secundária, a taxa de terapias apropriadas é de 10% ao ano, enquanto nas indicações por prevenção primária, baseada na presença de um dos fatores de risco maior (história familiar de morte súbita em parentes de primeiro grau, síncopes, septo maior que 30 mm), esta incidência cai para menos de 4% ao ano. As drogas anti-arrítmicas não oferecem proteção eficaz contra morte súbita nesta patologia.
O problema reside na elevada taxa de complicações destes dispositivos, em especial no passado, quandoas terapias anti-taqui eram programadas de forma muito agressiva, além de diversos problemas ocorridos com os eletrodos dos CDI, que foram alvos de “recall”. Estas taxas de complicações podem atingir 25% de choques inapropriados, 13% de problemas com eletrodos e 4% de infecções, sendo maior, quanto mais jovens os pacientes e principalmente em crianças.
As figuras 1,2, e 3 demonstram os critérios clássicos da Sociedade Americana1 e os novos critérios da Sociedade Européia2, baseado em um grande estudo3 que elaborou uma calculadora com variáveis quantitativas,que aumentam o risco conforme seus valores crescem.Um grupo Americano relatou que este critério não foi bem sucedidona estratificação, quando usado na sua população de portadores de CDI com MCH, entretanto, tem sido amplamente aceita e divulgada na Europa e em outras regiões.Em todas as diretrizes, inclusive nas nacionais4, a indicação de CDI para prevenção primária é classe IIa ou IIb, e não classe I.
Apresentamos na tabelaI, uma SÉRIE DE CASOS, avaliados por um grupo de especialistas, com algumas decisões divergentes das diretrizes, demonstrando o importante papel da individualização nas condutas e da decisão em equipe, compartilhando as responsabilidades. A participação da família e do paciente é fundamental, apesar de pouco empregada no nosso país.
Por se tratar de indivíduos predominantemente jovens, o envolvimento dos familiares é maior e quando a conduta adotada pela equipe é assertiva e sem surgimento de complicações, todos se sentem aliviados e recompensados. Dessa forma, novos casos são indicados e referenciados. Porém, quando as complicações surgem, algumas potencialmente fatais, como uma endocardite ou eventos súbitos, a repercussão é grande e muitas vezes inesquecível, considerando-se grupos de pacientes, que a princípio teriam grande expectativa de vida.
Figura 1. Critério de estratificação do risco de morte súbita na MCH e a consequente decisão terapêutica, segundo critérios do ACC/AHA. Os outros fatores modificadores são obstrução de via de saída maior que 30mm, presença de aneurisma apical, algumas mutações genéticas malignas e alta incidência de fibrose na ressonância magnética nuclear.